XIV SEMINÁRIO DO MUSEU D. JOÃO VI - GRUPO ENTRESSÉCULOS / X COLÓQUIO INTERNACIONAL COLEÇÕES DE ARTE EM PORTUGAL E BRASIL NOS SÉCULOS XIX E XX: ESTRANHAMENTOS NA HISTÓRIA DA ARTE E EM COLEÇÕES
7-11 de novembro de 2023 | Brasil, Rio de Janeiro, Cidade Universitária Federal do Rio de Janeiro
"O estranho e o estranhamento foram duas condições presentes no mundo da arte e das coleções artísticas, quando situações, produções ou procedimentos incomuns diante de certas expectativas geraram desconfortos, espantos ou admirações nas suas recepções. A estranheza tanto pode ser pensada no sentido de causar desconforto, inquietação e rejeição, quanto de surpresa, admiração, deslumbramento. É o caso de objetos estrangeiros ou inesperados em coleções de arte, de obras que não se coadunavam com as premissas acadêmicas, com artistas fora do eixo e rejeitados, de críticas que procuraram enfrentar estranhas estéticas, dentre outros.
Especialmente a partir do século XIX, após o último suspiro de coerência neoclássica ainda calcada no mundo manual e racionalizado, estimulados por novo meio de produção mecanizada, com a repetição serial e o automatismo das ações, pela decadência da monarquia e ascensão da classe burguesa, pela consciência de um mundo em contínua e acelerada transformação, artistas e artífices criaram coisas que em muitos dos casos foram rechaçadas por olhares estéticos mais conservadores. Com a proliferação do colecionismo burguês, em franco debate com a construção de acervos museológicos públicos, o perfil das coleções passou a abrigar peças estranhas ao universo doméstico, tanto exóticas quanto imprevisíveis. Alguns museus se especializaram em coisas invulgares ao seu contexto geográfico-cultural, acolhendo o Outro não familiar. Assim o que era considerado comum ou habitual passou a ser constantemente confrontado com diversos tipos de estranhamentos. Como não lembrar do mito de Frankenstein?
Os impactos do estranhamento foram de tal ordem que mereceram reflexões tanto na crítica literária quanto na Psicanálise. No primeiro caso, Viktor Chklovski (1893-1984), um dos expoentes do formalismo russo, desenvolveu a ideia da importância da ostranênie, no sentido de complicar a forma para ampliar a duração e complexidade da percepção ou desarmar expectativas e trazer o impensado, distanciando-se de recepções fáceis que não demandavam esforço do fruidor e que, consequentemente, levavam à letargia mental, ao automatismo do pensamento. Perseguido e forçado ao exílio, suas indagações levavam a pensar em quanto deveríamos estranhar as convenções a que somos submetidos. Sigmund Freud (1856-1939), por sua vez, desenvolveu o conceito Das Unheimliche - a inquietante estranheza, o inquietante, o estranho familiar -, que se refere a algo, alguém ou uma situação que parece estranhamente familiar e que remete àquilo já muito conhecido ou que se esconde, mas que causa confusão e estranhamento, promovendo uma ruptura da zona de tranquilidade e conforto cotidianos. Lidando com a superação ou a repressão, trata-se de perceber aquilo que inquieta e ameaça, ainda que cause angústia ou até terror.
É diante da perspectiva do inesperado, do invulgar e singular, da visão primeira ainda sem reconhecimento, ou do estranhamente familiar, que propomos pensar juntos as várias formas de estranhamento na arte e em coleções. Com isso, pretendemos revisar a historiografia da arte e a história das coleções, no sentido de melhor compreender como os historiadores, críticos, teóricos da arte e os colecionadores lidaram com os estranhamentos a eles colocados ou deliberadamente buscados. É também pensar no que nos causa estranhamento sobre o que já foi narrado e criticado sobre a arte constante na história da arte canônica. É pensar igualmente em que estranhamentos poderiam ser incorporados às abordagens sobre história da arte e coleções de arte.
Além disso, algumas outras questões nos movem, a saber: Por que certas produções permaneceram estranhas à disciplina da História da Arte? Como lidar com coleções ou peças de uma coleção consideradas incomuns, estranhas ou mesmo repulsivas? Que procedimentos metodológicos e teóricos de estudos artísticos causaram ou causam estranheza? Quem é ainda o artista estranho para a história da arte? O que seria uma coleção de estranhamentos ou um colecionador estranho? Que críticas estranhas já foram produzidas ou estão por vir? O que ainda pode ser considerado estranho no mundo da arte e das coleções? E, finalmente, como lidar com estranhamentos?
Assim sendo, convidamos pesquisadores para compartilharem suas estranhezas em relação à história da arte e às coleções de arte e reunirmos trabalhos que discutam os vários estranhamentos possíveis capazes de construir visões estranhas da arte."
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